Fifa aposta alto no Mundial de Clubes e vê 'big bang' no futebol

A Fifa está numa "vibe bíblica", tipo Gênesis. Na perspectiva evolucionista, pegou emprestado o conceito do cientista belga Georges Lemaître — o primeiro a defender a ideia do Big Bang na origem do universo. O discurso é que a Copa do Mundo de Clubes vai recriar o mundo do futebol.
"Isso representa um big bang, porque é exatamente o que é", disse o presidente da Fifa, Gianni Infantino, a respeito do troféu.
O dirigente, em entrevista à AFP, chegou a comparar o momento atual a 1930, quando a Fifa fez a primeira Copa do Mundo, no Uruguai. Três anos antes, Lemaître propôs a teoria do big bang, inclusive.
Exagero, euforia ou inovação? Pode ser um pouco de tudo isso. O fato é que o comando da Fifa aposta alto no novo torneio, cuja primeira edição será nos Estados Unidos, a partir de hoje.
Colocar em prática o Mundial de Clubes é resultado de um trabalho político, com uma forte veia econômica e que tenta unir isso ao quesito técnico, do jogo, em si.
Os melhores times, com os melhores jogadores, com as melhores torcidas, em palcos de elite. Tudo para formar uma combinação que, talvez, só a Copa do Mundo (de seleções) seja capaz: mobilizar vários países, de diversos continentes, ao redor de um troféu. E de dinheiro, claro.
A insatisfação que gera o Super Mundial
O Mundial de Clubes nasce de uma inquietação da Fifa.
Pode se perguntar aí: qual é a principal competição de clubes do planeta? Duvido que você não tenha respondido Liga dos Campeões da Europa. Pois é. Ela é da Uefa (confederação da Europa), não da Fifa.
Mas se na pirâmide do futebol, a Fifa é soberana em relação às seleções, por que não trazer os clubes para esse portfólio também?
A Champions não perderá seu brilho, até porque acontece anualmente e preenche o calendário da elite do futebol ao longo da temporada. Mas a Fifa queria algo para si, participar da festa gerada pelos clubes.
A entidade debateu nos bastidores que precisava deixar de lado o formato anual do Mundial — aquele em dezembro, que os europeus ganham desde 2013 sem nem levar tanto a sério.
Veio, então, a solução: fazer algo de quatro em quatro anos com os clubes. Formato, estrutura e espaço no calendário iguaizinhos à Copa do Mundo (antes da expansão para 48 participantes). O ex-Mundial anual ganhou outro nome (Intercontinental) e o campeão europeu só joga a final.
Mas onde encaixar o novo projeto no calendário? A Fifa abriu mão da Copa das Confederações, que já não estava empolgando ninguém.
Até por isso, a sede "automática" do primeiro super mundial virou os Estados Unidos, mantendo o espírito de evento-teste para o torneio um ano ates da Copa do Mundo (de seleções).
A Conmebol bateu o pé e fez questão de assegurar seis vagas para sul-americanos. Capilarizar o fluxo de recursos e oportunidades de participação é estratégia antiga da Fifa — desde a época de João Havelange. Traz voz e voto a quem e de quem está na periferia da bola.
Mas os europeus precisariam de algo mais para se empolgar (ao menos no discurso) com o projeto.
Acertou se você pensou em dinheiro. Não por acaso, o ponto de partida da premiação para os times do Velho Continente será maior que os demais.
Premiação por participação
Clubes europeus: de US$ 12,81 milhões a US$ 38,19 milhões (depende de um ranking com critérios esportivos e comerciais)
Clubes sul-americanos: US$ 15,21 milhões
Clubes da Concacaf: US$ 9,55 milhões
Clubes da Ásia: US$ 9,55 milhões
Clubes da África: US$ 9,55 milhões
Clubes da Oceania: US$ 3,58 milhões
Premiação por fase
Fase de grupos: US$ 2 milhões por vitória e US$ 1 milhão por empate
Oitavas de final: US$ 7,5 milhões
Quartas de final: US$ 13,125 milhões
Semifinais: US$ 21 milhões
Vice-campeão: US$ 30 milhões
Campeão: US$ 40 milhões
Houve também conversas e costuras com entidades ligadas a atletas e clubes a respeito do impacto no calendário. Afinal, o Mundial de Clubes significa que a elite europeia será impactada três anos seguidos no período de férias (Eurocopa 2024, Mundial de Clubes 2025 e Copa do Mundo 2026). O ciclo quadrienal ficou mais preenchido.
Com isso tudo, na ideia do "big bang" citado por Infantino, a Fifa quer criar uma cultura de que os clubes em a ver os torneios continentais anuais mais como uma ponte para o Mundial do que apenas um fim em si.
Esse é um desafio para a cultura na Europa. Mas, na América do Sul, o "rumo a Tóquio", onde tradicionalmente acontecia o outro Mundial, já é mais recorrente para quem entra na Libertadores pensando em título.
Quanto a Fifa espera ganhar
O orçamento da Fifa para esse ciclo precisou ser atualizado por causa da Copa do Mundo de Clubes.
A projeção é que o torneio gere US$ 2 bilhões em receitas no ano. Sendo 75% com direitos de transmissão e marketing. Os outros 25% estimados saem de direitos de hospitalidade e ingressos.
É preciso ver o quanto o público vai, de fato, responder a isso — até agora, a procura por ingressos não tem sido tão satisfatória.
Por outro lado, o acordo global para transmissão do torneio foi com a DAZN, que sublicencia para veículos do mundo todo. Isso gerou US$ 1 bilhão para a Fifa logo de cara.
Ao mesmo tempo, a entidade conseguiu atrair patrocinadores nos últimos meses. Um deles é até o fundo soberano da Arábia Saudita — uma dobradinha que já resulta não só em incentivos para a liga saudita, mas, claro para a escolha do país como sede da Copa 2034.
A ideia é que o Mundial de Clubes seja o principal responsável pela receita da Fifa em 2025. No orçamento, a previsão total de arrecadação no ano é US$ 2,43 bilhões.
Na outra via, a Fifa calcula que vai reinvestir tudo o que gerar de receita com o Mundial.
A conta é que US$ 1 bilhão será distribuído em premiação aos clubes. Outros US$ 900 milhões serão gastos com as despesas operacionais do torneio.
A Fifa também anunciou um programa de investimento de solidariedade para distribuir US$ 250 milhões para clubes ao redor do mundo.
Pela lógica de Infantino, a ideia é que o "big bang" chacoalhe estruturas da forma mais ampla possível.